Gabriela
terminou e vai deixar saudades, pelo menos em mim. Como não pude ver a primeira
adaptação, de 1975, esta seria uma ótima oportunidade para conhecer este
maravilhoso mundo de Jorge Amado na televisão. E não me arrependo de ter quase
dormido na aula por ficar acordado assistindo à novela no dia anterior. Gostei
praticamente de tudo, e, por mais que eu tenha gostado da novela, não deixo de
reparar em vários defeitos que esta obra conteve. Não fico procurando falhas e
nem paro de assistir por um simples erro no texto ou na atuação de algum ator.
Não sou exigente demais quando o assunto é novela. Se ela me pegou desde o seu
início, dificilmente pararei de acompanhá-la.
 |
| Divulgação da novela |
O texto de Walcyr Carrasco, admito, não é
dos melhores que podemos encontrar atualmente na nossa teledramaturgia. Mas
também não é motivo de uma perseguição gratuita ao autor. Tem vários defeitos,
falhas, etc. Mas também emociona e, como já falei, me prendeu durante os poucos
meses de duração da novela.
Iniciarei falando sobre as falhas no texto
da novela. Logo no início, se repararmos bem, podemos ver que o Coronel
Coriolano (Ary Fontoura) praticamente dizia a mesma fala sempre: “Não preciso
ir ao Bataclã! Estou muito bem servido com a minha Teúda e Manteúda!” O Coronel
falou somente isso até o momento da trama em que o Professor Josué (Anderson Di
Rizzi) começou a ter um caso com Glória (Suzana Pires), a teúda e manteúda do
Coronel. As Irmãs dos Reis, Florzinha (Bete Mendes) e Quinquina (Ângela
Rebello), geralmente falavam as mesmas coisas sempre que estavam em cena.
Zarolha (Leona Cavalli), após retornar a Ilhéus, geralmente declarava sua fúria
contra Gabriela com falas como “Vou recuperar meu Turquinho e separar ele de
Gabriela!” Olga (Fabiana Karla) e Tonico (Marcelo Serrado) não só tinham as
mesmas falas juntos como faziam sempre a mesma cena juntos. Pra mim, essa clara
e cansativa repetição de acontecimentos e falas foi um dos maiores erros de
Carrasco na sua adaptação. Não vejo as situações humorísticas e bobas como um
problema na novela, até porque não houve exagero de cenas desse tipo. Mas se o
humor for direcionado a personagens sérios como o Coronel Jesuíno (José Wilker)
e o Coronel Ramiro (Antonio Fagundes) fica algo pouco crível e tira a essência
do personagem. Aliás, um grande erro de Walcyr foi abusar de expressões
pejorativas como “merda” e “bosta” nas falas do Coronel Ramiro (Antonio
Fagundes), o que seria até normal para um coronel machão dos anos 20, mas causa
estranheza se forem abusadas, como aconteceu.
 |
| Juliana Paes como Gabriela |
Cada
trama teve seus desfechos bem feitos e o desenrolar da história de cada um dos
moradores de Ilhéus foi bem conduzida pelo autor durante toda a novela. As
tramas de mulheres oprimidas eram as minhas preferidas. Aliás, todo núcleo
tinha uma mulher sem liberdade de fazer o que realmente desejava. Gabriela
(Juliana Paes), a personificação do real desejo de toda mulher da época, foi
apenas um pano de fundo, não teve uma trama realmente emocionante como vários
outros personagens, mas fez o seu trabalho. Dava pra sentir a tristeza da
personagem ao ser “trancafiada” pelo casamento e a clara decepção de Gabriela
(Juliana Paes) para com Nacib (Humberto Martins) foi o ápice da personagem e do
seu núcleo, que pouco interessava no início da história. O drama carregado de
Lindinalva (Giovanna Lancelotti) foi algo que fez com que eu me interessasse
ainda mais pela trama. Adoro dramas, principalmente no final, quando a
personagem que tanto sofreu finalmente alcança a felicidade e o terrível vilão
paga pelos seus pecados. Adorei o capítulo em que Juvenal (Marco Pigossi) dá
uma surra no seu irmão Berto (Rodrigo Andrade) e faz um escândalo na cidade,
falando verdades na cara de todos. Dona Sinhazinha (Maitê Proença), fadada ao
casamento infeliz com o bruto e ignorante Coronel Jesuíno (José Wilker),
encontra nos braços do doce e cavalheiro Dr. Osmundo (Erik Marmo) o verdadeiro
amor e a felicidade, até ser morta pelo marido. Quer uma trama melhor? Na
verdade, Jorge Amado sempre teve um texto com ares de folhetim, de fácil
identificação com novelas. A história de amor entre a neta do Coronel Ramiro
(Antonio Fagundes), Jerusa (Luiza Valdetaro), com o inimigo político do avô,
Mundinho Falcão (Mateus Solano), não poderia ter mais apelo folhetinesco. Minha
personagem preferida era Malvina (Vanessa Giácomo), a menina rebelde e cansada
da sociedade opressora e falsa moralista em que vive e que faz de tudo para
viver um amor verdadeiro. As cenas de sexo presentes na novela são quase que
obrigatórias tendo em vista a sensualidade e o erotismo da obra de Jorge Amado
e, a meu ver, não tiram nada da beleza da trama.
Gabriela foi antes de tudo, uma novela
linda de se assistir. E isso se deve a todo o trabalho da produção da novela. A
fotografia excelente e a boa reconstituição da Ilhéus dos anos vinte são marcas
da novela. A direção de Mauro Mendonça Filho foi promissora.
 |
| Maitê Proença e José Wilker interpretaram Dona Sinhazinha e Coronel Jesuíno |
|
|
A interpretação dos atores talvez seja o
que mais vai marcar Gabriela. Tanto novatos quanto veteranos. Juliana Paes
montou uma Gabriela a sua maneira, conseguiu captar o espírito do personagem e
fez um ótimo trabalho. Acho que ninguém esperava algo realmente marcante como
foi com Sônia Braga. Juliana mostrou ser uma ótima atriz ao interpretar um
personagem muito difícil de compor. Giovanna Lancelotti, Marco Pigossi e
Rodrigo Andrade fizeram ótimos trabalhos em seus núcleos, visto os personagens
que fizeram antes na novela (totalmente diferentes). O jovem trio foi uma
revelação e esbanjou talento em cenas dificílimas. Ivete Sangalo, uma polêmica
escolha para viver Maria Machadão, não fez feio, mostrou segurança, não fez
vexame como outros atores profissionais já fizeram. Não posso dizer que gostei
da sua atuação, mas não vou dizer que foi ruim, que era um horror assistir. As
já conhecidas Vera Zimmermann e Bel Kutner brilharam em seus nem tão grandes
papéis, mas que foram magistralmente interpretados pelas duas atrizes. A
parceria das duas com Mendonça Filho em O Astro (2011) já havia feito sucesso.
Gero Camillo, nome pouco conhecido na televisão, fez um ótimo trabalho com seu
Miss Pirangi, sem tornar algo muito forçado, o homossexual assumido
interpretado por ele foi um destaque a parte na novela. Luiza Valdetaro e
Vanessa Giácomo também brilharam, demonstrando segurança e maturidade ao interpretarem
personagens que vão se fortalecendo de acordo com o desenrolar da trama. Mateus
Solano também não fez feio, mas não empolgou como eu esperava. Chico Diaz
também mostrou o ótimo ator que é ao interpretar o rude Coronel Melk, pai de
Malvina. Maitê Proença, em uma pequena aparição, brilhou e esbanjou talento,
com uma interpretação perfeita da mulher oprimida pelo marido. E como falar de
boas atuações sem falar das duas maiores estrelas da novela? Estou falando é
claro de Laura Cardoso e José Wilker. Os dois roubaram a cena, com
interpretações magníficas. Ganharam espaço na internet, onde seus bordões e
trejeitos viraram memes no Facebook. Laura
na pele da fofoqueira e pilar moral de Ilhéus, Dona Dorotéia (criação original
de Carrasco) voltou com as beatas falsas moralistas para as telas. Foi ela a
responsável por boa parte das desgraças de Ilhéus. No final descobre-se que foi
“quenga” no passado. E ainda fala que era melhor ser quenga do que ser mulher
casada, se alguém lhe quisesse voltava ao ofício. Tem como não gostar de Laura
Cardoso e dessa personagem? Já Wilker fez um papel difícil, que tinha que ser
odiado por todos. E fez bem. Colocou emoção, humanizou mais o rude coronel que,
pouco antes de ser preso pela morte da esposa e do amante dela, diz que ainda a
amava.
 |
| Giovanna Lancelotti como a sofrida Lindinalva |
Mas temos que ver os atores que deixaram
um pouco a desejar. O veterano Antonio Fagundes me decepcionou um pouco,
esperava mais do que uma mistura dos vários papéis semelhantes feitos pelo
ator. Humberto Martins também não foi tudo isso, deixou no ar um “poderia ser
melhor”, mas não fez feio. Marcelo Serrado se equivocou um pouco ao compor seu
Tonico Bastos, deixou-o palhaço demais e o texto não o ajudou. O mesmo pode-se
dizer para Fabiana Karla. Anderson Di Rizzi começou bem, mas traços do Sargento
Xavier de Morde e Assopra começaram a aparecer com o tempo. Erik Marmo não
achou o tom certo, seu personagem não ficou crível e não rendeu uma boa
atuação. Muitos foram os prejudicados pelos fracos textos de seus personagens,
como Leona Cavalli, que havia achado o ponto certo para fazer sua Zarolha, mas
que se tornou uma vilãzinha qualquer quando voltou a Ilhéus. Ary Fontoura, Bete
Mendes, Mauro Mendonça e Genézio de Barros foram outros injustiçados pelo
texto.
 |
| Dona Dorotéia, a espetacular composição de Laura Cardoso |
Se fosse para dar uma nota para Gabriela,
daria um 8,5. Os erros estavam claros e isso prejudicou bastante a novela.
Porém, houve muitos momentos emocionantes que me prenderam, que me fizeram não
pegar no sono e me tornaram um telespectador cativo da novela. A ótima atuação
da boa parte dos atores foi outro grande ponto alto da novela, além, como já
foi comentado, a boa fotografia e cenários. Meus parabéns a todos os envolvidos
com a produção de Gabriela e espero ansiosamente Saramandaia ano que vem, outra
adaptação de uma obra de um mestre. Espero realmente que seja tão boa e ainda
melhor que Gabriela.